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Já explico pra quem lê que nesse texto adoto o termo “pessoa autista” ou “autista” como meu preferencial e respeito às demais formas de ver o Autismo. Também adoto o termo “Neurodivergente” e “Neurotípico”, tendo por base o respeito às demais formas de referência ao cérebro autista.
A quem viva “autistando” e não saiba o porquê carrega um símbolo de um quebra-cabeças em uma carteirinha, crachá de identificação do Autista, em um pingente ou até mesmo em uma tatuagem. O símbolo do quebra-cabeças ainda continua sendo o mais utilizado para representar o Autismo no mundo todo. Isso porque o ser humano está descobrindo o céu e a Terra, mas o Autismo nunca é fácil de entender pra Medicina e pra Neurociência.
A quem diga que o Autismo nunca mais será o mesmo depois da história da Carly Fleischmann, que nunca falou ou “aprendeu a ler” até seus 11 anos de idade. Até que ela “concluiu” que era hora de estabelecer comunicação com quem estava de fora do seu mundo e ela o faria escrevendo as palavras “Hurt Help” (Dor Ajuda) no computador de sua mãe. Mas, pra quem jamais ultrapassaria a idade mental de 6 (seis) anos de idade, de acordo com seus médicos, Carly saiu do Nível Severo do Autismo para Nível Leve em algumas horas. Porque foi durante algumas horas que ela digitou uma carta sobre como a expressão de desprezo das pessoas doía nela. Como esse feito seria possível, se essas palavras nunca foram ensinadas a ela?
Essa e outras perguntas transformaram o Autismo em Transtorno do Neurodesenvolvimento, deixando de ser uma doença. E em 100 anos de pesquisa, entrou no Ranking das condições de neurodesenvolvimento com maior volume financeiro em estudos no mundo, figurando nas estatísticas das principais Revistas Científicas Internacionais como a Nature Neuroscience.
Carly e outros Autistas vieram ao mundo pra incomodar. Incomodar o ambiente educacional, de trabalho, religioso, médico-científico que esteja fechado à neurodiversidade, fechado a receber uma pecinha do quebra-cabeças. Sabe por que?
1. Porque não se pode comparar Autistas com ninguém, pois possuem um funcionamento diferente em TODO cérebro: essa diferenciação em todo cérebro promove alteração no funcionamento e alteram funções como memória, equilíbrio físico, compreensão de regras sociais, consciência espacial, percepção sensorial, associação de padrões, etc.- segundo artigo da Revista Nature Neuroscience “Broad tranomic dysregulation occurs across the cerebral cortex in ASD” – Ampla desregulação tranômica ocorre em todo o córtex cerebral no TEA.
2. Porque o número de Autistas no mundo só cresce: Em 2022 a quantidade de diagnósticos cresceu cerca de 22% com relação a 2021.
3. Como num Quebra-cabeças nenhuma peça é absolutamente igual: “Começa-se a ter um consenso de que o Autismo é um grupo heterogêneo de pacientes” afirma a doutora Lynn Durham. Além de nunca podermos comparar um Autista com um Neurotípico (pessoa sem autismo), também nunca poderemos comparar Autistas entre si. Pode-se ter um Autista com grande sensibilidade artística, mas com profundos prejuízos na associação de informações emotivas. Ou ter um Autista com ótima noção aeroespacial, mas com grandes dificuldades de entender padrões comportamentais esperados. Ou um Autista que pouco ou nada fale, mas que seja ótimo escritor, como a Carly.
4. Não há cura para o Autismo, apenas tratamentos que reduzem sintomas secundários: Caso o autista pare seus tratamentos necessários, seu nível de Autismo regride para um nível com maiores prejuízos no neurodesenvolvimento. É por esse e outros fatores que em 2012, o Transtorno do Espectro Autista foi equiparado à deficiência na Lei 12.764. Mas não confunda: no autismo, a deficiência não significa prejuízo cognitivo, pois ele está na área Neurodesenvolvimentista.
5. A prevalência de Autistas do sexo masculino ainda é maior, mas…ainda não podemos dizer que isso seja determinado totalmente pela genética. As mulheres fazem “masking” com maior frequência e efetividade que homens. O masking é algo um pouco parecido com o que os camaleões fazem para se enturmar, é uma camuflagem social como estratégia para enfrentar desafios diários. Essa e outras habilidades tornam mais difícil para a mulher obter seu diagnóstico.
6. O quebra-cabeças vêm aumentando depois que descobriram que a dupla-excepcionalidade e outros Transtornos andam juntos no Autismo: fique sabendo, o Autista pode conviver com quadros de Ansiedade Grave, distúrbios neurossensoriais, distúrbios alimentares, doenças neuromusculares (e outros), mas também pode conviver com a Superdotação/Altas-habilidades (SD/AH). Então, “valorize as capacidades e respeite os limites do autista”, pois ele pode ser a peça que tanto procuram, depende é de como ele será encaixado no ambiente. Além disso, esses transtornos e a SD/AH podem “esconder” o Autismo e impedir o diagnóstico. No caso do Autista que possua mutismo seletivo, podem confundí-lo com Autistas Não-Verbais.
7. Se a Dupla-Excepcionalidade pode coexistir com o Autismo, o que mais não poderia acontecer? e aconteceu: a Revista Nature Neuroscience divulgou que foram descobertos 4 (quatro) subtipos no Autismo. Logo, para cada Nível (Leve, Moderado, Severo), temos 4 personalidades autistas bem distintas a nível neuronal. Isso levou a farmacêutica francesa Stalicla a apostar na Medicina de Precisão (“personalizada”). Conforme o subtipo, se escolhe o melhor tratamento medicamentoso.
8. Personagens famosas como Temple Grandin, Greta Thunberg, Elon Musk, Lionel Messi, Leticia Sabatella, a cantora australiana Sia, Anthony Hopkins, Dan Aykroyd, Leilah Moreno estiveram no Tapete Vermelho em Hollywood ou na Televisão da sua casa. Todavia, também “seguraram” o diagnóstico de Autismo diante do mundo, mostraram que o Autismo não tem “cara”, não segue uma trajetória padrão.
Se você se identificou com alguma coisa nesse texto, procure logo a ajuda de um Profissional especialista em Autismo da sua cidade ou Estado. Pois como você pode ver, pode ser você a peça que falta nesse misterioso quebra-cabeças.
Eu sou Priscilla Nogueira, sou Autista de Nível 2 de suporte. Descobriram que faço parte desse quebra-cabeças em 2016. Sou amante da Ciência de Dados. Servidora pública em Cuiabá, MT. Escritora para Mulheres Autistas e Adultas.