Home Destaque Gisela recorda trajetória e expõe preconceitos vencidos até chegar ao comando da OAB em MT

Gisela recorda trajetória e expõe preconceitos vencidos até chegar ao comando da OAB em MT

por Sandra Carvalho

Até chegar a uma posição de liderança, nem sempre os caminhos são favoráveis e abertos. Muitas vezes nem mesmo são planejados ou tidos como meta desde o início. Frente aos desafios, há quem duvide da capacidade femina. Quando se é mulher, os percalços costumam ser ainda maiores e até mesmo a competência é questionada devido ao gênero.

Segunda mulher a presidir a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT) em quase 90 anos e uma das 5 mulheres eleitas em todo o Brasil para presidir seccionais na última eleição, a advogada Gisela Cardoso também teve sua capacidade posta a prova antes de assumir o comando à frente a gestão.

Em conversa com o GD Gisela, ela contou sua história, os desafios e preconceitos que enfrentou até chegar a posição que está hoje, além das perspectivas que têm para atingir uma maior inclusão e participação feminina na OAB no Estado.

Ela, que é paulista de origem, chegou em Mato Grosso com a família por volta da década de 80, mais especificamente no município de Colíder (650 km cuiaba). Com o pai caminhoneiro, a família estava em busca de melhores condições de vida nas terras do cerrado, onde as oportunidades surgiam, em meio às dificuldades.

“Vivemos numa sociedade conflituosa. Os conflitos fazem parte do dia a dia da sociedade. Então o advogado, ele é o agente que vai intermediar esses conflitos e tem na sua essência a condição de ser o pacificador social. Eu sempre tive isso na mente, a importância da advocacia para a sociedade”, conta.

Em 1996, Gisela chega a Cuiabá para fazer faculdade de Direito e também trabalhar em um banco para poder pagar a faculdade, afinal seu grande sonho era ser advogar. A escolha do curso se deu pois sempre viu a advocacia como algo essencial.

Ao terminar os estudos, passou na ordem e com o registro em mãos se questionava sobre como seria dali em diante, formada e longe da casa dos pais. Se viu à frente de uma nova jornada para conseguir espaço na advocacia, especialmente porque vinha de uma família que não tinha ninguém no mundo jurídico.

Saiu do banco para trabalhar com um advogado em uma oportunidade decisiva. Fazendo carreira na instituição, saiu de lá sendo auxiliar de gerência para começar do zero.

Com passagens por outros escritórios até conseguir montar o seu, Gisela relata que sempre buscou trabalhar para a ordem e via que conforme os avanços na carreira, sentia que a instituição precisava ser fortalecida para a categoria também ser valorizada.

Luiz Leite

Gisela Cardoso

Foi membro de diversas comissões na OAB e chegou um momento em que colegas montaram chapa e a procuraram pelo seu perfil. Das 5 chapas da época, recebeu convite de todas para compor.

“Naquela época tinha-se a cota moral, então tinha que ter uma mulher na diretoria. E eu tinha um perfil interessante, era mulher, professora e advogava na área trabalhista. Então eu tinha um público interessante para aquela eleição”, recorda.

Desde então atuou na diretoria como secretária-geral adjunta e também exerceu a presidência da Comissão da Mulher Advogada, momento em que percebeu as dificuldades em trazer as mulheres para dentro do sistema por uma série de situações.

“O grande desafio ali, meu e de outras advogadas comigo na gestão, era de incentivar as mulheres a participarem mais da gestão. Então surge o plano de valorização da mulher advogada, que instituiu a cota, os 30% de cada gênero nas chapas que viessem a participar das eleições. Posteriormente veio o projeto paridade, aprovado no Conselho Federal, trazendo aí a obrigatoriedade para que toda a chapa que fosse concorrer às eleições tivesse na sua composição 50% de cada gênero”, explica.

Em razão de todo trabalho que fez como secretária-geral adjunta e vice-presidente nas eleições anteriores, foi candidata a presidente, sendo eleita a segunda presidente da OAB Mato Grosso, sendo antecessora apenas a, hoje, desembargadora Maria Helena Póvoas, que há 30 anos atrás, foi presidente da OAB Mato Grosso.

Apesar da conquista, questões relacionadas à discriminação e machismo foi sentida na época, já que a advocacia ainda é um ambiente mais masculino. Ela se recorda de uma situação muito específica que foi marcante.

“Um advogado disse para mim assim, ‘olha, eu não voto em você’, eu falei ‘tudo bem, isso é natural, a gente tem uma democracia’, mas eu gostaria de saber o porquê, até pra que eu possa, eventualmente, me adequar. E aí, ele disse: ‘porque você é mulher’. Aquilo me chocou um tanto, porque não importava o que eu fizesse, eu não teria aquele voto. Eu poderia ser a melhor opção, ter mais experiência, mas não, pelo único fato de ser mulher. Os 20 anos que eu tinha de advocacia,os 6 anos de experiência de diretoria, isso tudo não valia”, desabafa.

Outro ponto que a chocou foi perceber que a fala veio de um colega de profissão e uma pessoa esclarecida quando teve a duvida posta sobre sua capacidade “pela questão de ser mulher”, o que demonstra como ainda impera a discriminação de gênero.

Apesar dos percalços enfrentados, a advogada relata que sua eleição foi bem aceita de forma geral, não só pela advocacia, mas como pela sociedade como um todo. “Eu presido uma instituição formada por advogados e advogadas, então todos nós temos o mesmo objetivo, que é o fortalecimento da nossa profissão e instituição. Então, quanto mais a gente agregar em torno desse objetivo, mais forte nós seremos”, ressalta.

Gisela percebe que trazer mais mulheres para participação na OAB ainda é um desafio atrelado a sobrecarga feminina em vários setores da vida, cujas responsabilidades recaem de forma mais forte sobre elas.

Luiz Leite

Gisela Cardoso

“A gente está sempre buscando alternativas de trazer as mulheres cada vez mais para dentro do sistema e considerando a realidade. Não é transformar mulheres em homens. A gente quer que as mulheres venham com todas as características, as dificuldades, participar do sistema e que a gente possa, juntas, buscar alternativas para essas dificuldades e para que a instituição seja cada vez mais democrática, atendendo as necessidades de advogados e advogadas”, reforça.

Em relação à cotas e políticas afirmativas, ela relata que ainda ouve muitas críticas. Porém se fazem necessárias para oportunizar que mulheres competentes tenham chances de atuar e demonstrar sua capacidade frente aos cargos, inclusive os de liderança.

Questionada sobre o que é ser mulher, Gisela finaliza dizendo: “Para mim, é plenitude. Ser mulher é diariamente enfrentar vários desafios, ser desafiada a provar que você é capaz. Por outro lado é também diariamente conseguir agregar a sua volta, pessoas que acreditam que tudo é possível quando se trabalha ou se faz com amor, com dedicação. Se hoje eu pudesse optar nascer de novo, eu mil vezes nasceria mulher. Temos um papel essencial na nossa sociedade, dentro de casa, no nosso mercado de trabalho e na sociedade. Precisamos buscar cada vez mais a valorização e também terminar com essa violência que ainda existe no dia a dia de todas as formas. A gente consegue isso quando nós estamos trabalhando todos no mesmo caminho, com o mesmo objetivo, agregando homens e mulheres nessa luta da busca da igualdade e do fim do preconceito”, finaliza.

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